sexta-feira, 2 de maio de 2014

DESCONFIANÇA CONTAGIOSA


ALTA RODA, Fernando Calmon




Diagnósticos da atual situação do mercado brasileiro de veículos continuam sem apontar saídas viáveis de curto prazo, depois de um dia inteiro de conferências e debates no V Fórum da Indústria Automobilística, organizado pela Automotive Business, essa semana em São Paulo.

Novamente, o regime criado pelo programa Inovar-Auto recebeu mais críticas que elogios. Sem chegar a constituir condenação, mas algo na direção de ruim com ele, pior sem ele. E agora há um complicador chamado Argentina, problema cujo desfecho já se esperava. Seria injusto “culpar” apenas os vizinhos, que compraram veículos brasileiros acima do potencial como forma de se defender da inflação escamoteada pelo governo deles.

O Brasil, no entanto, perdeu tanta competitividade interna e externa nos últimos anos que concentrou 75% de suas vendas ao exterior justamente onde não deveria, no atribulado sócio maior do Mercosul. Grande parte dos pátios de fabricantes cheios de veículos, em cenas áreas reportadas por jornais e TVs, retratam exatamente a queda brutal de exportações de 33% do primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2013.

A isso se adiciona a preocupação com outros milhares de automóveis, no momento, acumulando poeira em cerca de 5.000 concessionárias do País. De imediato se espera, em 1º de julho, adiamento da volta de alíquotas cheias do IPI. A carga fiscal brasileira sobre carros é tão alta que essa estratégia “salvadora” de vendas funciona bem melhor aqui do que em outras partes do mundo. Sem falar na derrama indireta do IPVA, imposto estadual pós-venda irremovível de até 4%, que representa sozinho metade da carga tributária nominal total dos EUA.

Durante o Fórum pouco se detectou sobre mergulho definitivo nas vendas em 2014. À exceção dos mais pessimistas que preveem até menos 5%, a maioria dos palestrantes aposta entre crescimento zero e 1%. Falou-se em ano de três Carnavais: além do tradicional, as paradas previstas na Copa do Mundo e o fraco ritmo pré-eleitoral. No entanto, se o comprador desejar mesmo gastar e se sentir mais seguro vai procurar as lojas em outros dias.

Ponto de consenso, o financiamento de 60 meses sem entrada acaba por trazer problemas de inadimplência futura, nada aconselhável no cenário atual de recuperação desse indicador. Destravar o crédito por meio de criação de uma espécie de fundo garantidor contra calotes pareceu ter angariado poucos defensores.

Estudo apresentado pela consultoria Carcon prevê que, somados Brasil e Argentina, a segmentação de autos e comerciais leves deve se manter entre 2013 e 2018: subcompactos, 15%; compactos, 62%; médios,15% e grandes/luxo, 8%. Assim, veículos menores continuarão a representar 77% do mercado e representariam oportunidade para o Brasil tentar melhorar sua competitividade externa, assim como a Tailândia se especializou em picapes, SUVs e furgões médios, conforme lembrou David Wong, da AT Kearney.

De qualquer forma, 2014 e 2015 refletirão “desconfiança muito contagiosa”, como comentou Arturo Piñeiro, presidente da BMW do Brasil, em tom conciliador. Entretanto, as causas se originam de erros graves de política econômica interna que não podem simplesmente se atribuir ao panorama do exterior.

RODA VIVA

ESTA semana a coluna completa 15 anos sempre à procura dos acontecimentos de mercado que refletem nas decisões de quem já tem ou deseja um automóvel. Sem descuidar de análises técnicas de novos produtos, tecnologia, legislação, segurança e respeito ao consumidor. Agradecimentos aos leitores e aos 104 meios digitais e impressos que reproduzem semanalmente Alta Roda.

CONFIRMADO o Renegade na nova fábrica de Goiana, no segundo trimestre de 2015, a coluna antecipa que a picape média Fiat terá início de produção no primeiro trimestre de 2016 juntamente com o SUV derivado que também levará a marca Jeep. Outros dois produtos serão automóveis Fiat: um deles a nova versão do Viaggio, em 2017 ou 2018; o segundo, ainda a definir.

POR sua vocação urbana e pelo trânsito pesado o câmbio automatizado do VW up! a R$ 2.700 chega na hora certa. Opção disponível pela primeira vez em motor de um litro, ajuda como antiestresse desde que não se busque desempenho rápido na troca de marchas. Leve alívio no acelerador é suficiente. Versão 2-portas por R$ 26.990 completa o leque de oferta do modelo.

QUEM não se preocupa em pagar R$ 20.000 extras pela versão diesel do Grand Cherokee (R$ 239.900) encontrará interação entre motor (241 cv), novo câmbio automático de oito marchas, capacidade razoável em estrada e muito boa fora dela, apesar de exagerados 2.400 kg de massa. Interior espaçoso, bem equipado, mas plásticos duros lembram se tratar de um Jeep.

CORREÇÕES: taxa atual de motorização no Brasil é de 200 veículos por 1.000 habitantes ou, que dá no mesmo, 5 habitantes por veículo. Na relação das marcas centenárias entra a Dodge (produziu apenas 249 unidades em 1914), sai a Maserati (fundada em 1914, mas com carro próprio só em 1926) e, a pedidos, inclusão da Morgan fabricante de triciclos a partir de 1910 (quatro rodas em 1936).

Fernando Calmon, engenheiro e jornalista especializado desde 1967, quando produziu e apresentou o programa Grand Prix, na TV Tupi (RJ e SP) até 1980. Foi diretor de redação da revista Auto Esporte (77/82 e 90/96), editor de Automóveis de O Cruzeiro (70/75) e Manchete (84/90). Produziu e apresentou o programa Primeira Fila (85/94) em cinco redes de TV. 

Sua coluna semanal sobre automóveis, Alta Roda, começou em 1999. É publicada em uma rede de mais de 100 jornais, revistas e sites. É correspondente para o Mercosul do site inglês just-auto. Além de palestrante, exerce consultoria em assuntos técnicos e de mercado na área automobilística e também em comunicação.

fernando@calmon.jor.br e www.twitter.com/fernandocalmon

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