segunda-feira, 28 de novembro de 2016

ENGENHARIA PARA O FUTURO: DISCURSOS CONVERGENTES


PRÓXIMOS DESTINOS, Alberto Martins



Discussões sobre mercados, novos conceitos de mobilidade, reflexos da economia e serviços agregados ao uso do carro foram recorrentes nas últimas semanas ao longo do Salão do Automóvel de São Paulo. O novo espaço do evento proporcionou expandir as discussões em encontros, como o de "Comunicação para a Mobilidade" da ABERJ (já abordado na coluna anterior). Na sequência aconteceram o "Encontro AEA do conhecimento Técnico", da AEA (Associação Brasileira de Engenharia automotiva), e a "Manhã de Tecnologia" da SAE Brasil (representante brasileira da Sociedade dos Engenheiros Automotivos), realizados dias 16 e 17 de novembro.

Diferente do primeiro encontro, que levantou discussões sobre a comunicação e o processamento de problemas e soluções de mobilidade, os eventos das Associações de Engenheiros trouxeram à pauta muita tecnologia e aplicação materializada destas soluções, algumas já em mercado outras às vésperas do lançamento. 

Proteger o homem de si mesmo

Segurança, conforto, interação, conectividade, automação de atividades e preocupação ambiental são os principais fatores apresentados quando falamos desta tecnologia toda aplicada na prática. A indústria 4.0 e seus processos plenamente automatizáveis, agregados à Internet das Coisas e Internet dos Serviços, mobiliza-se para atender ao cliente. Protege o homem das agressões que ele mesmo causa ao meio ambiente e minimiza os problemas que distrações ou negligências com o automóvel podem causar ao usuário ou ao entorno.

Os avanços da segurança veicular foram lembrados por Carlo Gibran, da Comissão Técnica de Segurança Veicular da AEA. Assistentes de Direção que permitem condução semi-autônoma já são realidade no mercado brasileiro e os novos protocolos do Latin NCap já consideram ESP e aviso de uso do cinto como mandatários para notas altas no teste. O Euro NCap está para adicionar sistemas de frenagem automática, monitoramento de ciclistas no entorno e assistente de cruzamentos como equipamentos essenciais para boa classificação. Estes assistentes eletrônicos parecem impressionantes, mas espantoso é lembrar que há 15 anos equipamentos como airbags e freios ABS eram artigos de luxo caríssimos e disponíveis em poucos modelos no Brasil.

A Mercedes-Benz lançou este mês o novo Classe E já equipado com diversos destes recursos. Evandro Bastos apresentou no evento da SAE o funcionamento dos sistemas semi-autônomos da marca alemã, que com sete radares e uma câmera stereo monitoram o que se passa em volta do carro e auxiliam o motorista em manobras e frenagens de emergência. O complexo sistema chega a frear o veículo sozinho se o motorista não o fizer, e estaciona o veículo no acostamento em viagem rodoviária caso note que o motorista não está em condição de continuar a viagem.

Fernando Pfeifer e Fernanda Bing, da Ford, levantaram pontos importantíssimos da nova relação homem-carro. A Ford acredita que a comoditização do produto, isto é, a tecnologia embarcada cada vez menos diferenciável, precisa ser contra-alimentada por dados de comportamento que variam de acordo com o local, e que vão gerar convívios diferentes entre cliente e sistema/veículo, podendo auxiliar a empresa no relacionamento com o cliente e no desenvolvimento de novos produtos. 

A GM Brasil, representada por Gisele Tonello, foi enfática na preocupação de gerar conectividade sem distrair o motorista de sua operação principal, e acredita que esta conectividade pode aumentar a segurança se estiver operando sobre sistema de telemática simples e intuitivo, que a marca afirma já por em prática no OnStar e no MyLink. 

Potenciar conhecimento para a tecnologia

Visões dispostas por Ford e GM no evento da SAE abrem à engenharia a necessidade de estudos em conjunto com especialistas de outras áreas, como Tecnologia da Informação, Ciências Sociais, Ergonomia e Design de Interface.

No evento da AEA Gilmar Laignier, da Fiat, apontou para a sistematização da informação e o relacionamento interativo com universidades como base para a criação de ferramentas, sistemas, softwares e procedimentos que gerem tecnologia. Segundo o Gerente de Engenharia Experimental os novos procedimentos adotados pela italiana devem ser praticados em nível mundial, são resultado da necessidade de alinhamento com os procedimentos da Chrysler e se iniciaram com o adensamento tecnológico proporcionado pela abordagem e pelas exigências do Inovar Auto. 

Estes novos procedimentos aproximaram os italianos (e agora um pouco americanos) da PUC Minas, em BH, onde investiram R$ 18 milhões em um laboratório com simulador de dinâmica veicular. Grandes investimentos também foram feitos na criação de um Centro de Desenvolvimento de Softwares que passou de 85 a 200 engenheiros em 3 anos, na construção de uma pista normatizada de Coast Down em PE ao custo de R$ 82 milhões, em projetos em parceria com a UFPE e em programas de residência tecnológica entre universidades e a FCA. Como resultado, o registro de 14 patentes nos últimos 3 anos contra 10 patentes nos 8 anos anteriores. Você pode até achar o portfólio da Fiat meio morto hoje, mas estas informações nos dão referência do que vem por aí.

Legislação, regulação e tecnologia.

Procedimentos e planejamentos diferentes se afunilam no mesmo ponto: legislação. O mercado brasileiro continua com itens de regulação particulares, o que não é propriamente estranho quando falamos de um país com dimensões continentais. O Inovar-Auto forçou o desenvolvimento de tecnologia para redução de emissões e de consumo, sendo o programa questionado pelo mercado externo ao gerar redução de carga tributária às montadoras que o atendessem.  

Os sistemas de direção e estacionamento completamente autônomos ainda não são permitidos no Brasil, pois a lei rege que o motorista deve ser responsável pela direção do veículo. "Mudou o governo, mas os técnicos das agências são os mesmos", observou um executivo em outra conversa, mas ainda sobre homologações. A situação econômica que parece mais estável e gera algum conforto a montadores é acompanhada de uma estabilidade dentro das agências que talvez não seja tão confortável para entusiastas de tecnologia. Mas as características de regulação já são tema de outra coluna.


PRÓXIMOS DESTINOS é uma coluna quinzenal. Propõe um olhar à frente, junto à nova economia, à hiperconectividade e aos novos arranjos sociais.

Alberto Martins é técnico em Mecânica, Designer de Produtos, MBA em Gestão de Projetos, entusiasta de história, sociedade e antigomobilismo, e apaixonado por novas tecnologias e novas possibilidades do dia a dia.

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